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A evolução do Direito dos Animais no Brasil

O processo de domesticação teve início desde a pré-historia, quando a proximidade entre homens e animais era relatada nas pinturas de cavernas. Esse processo fez com que os animais não só se aproximassem dos homens como também se tornassem mais dependentes deles, o que trouxe consequências positivas e negativas para os dois.

A arte de domesticar animais iniciou na cultura humana quando os homens começaram a viver em determinadas regiões do mundo e passaram a usar a criação de animais para auxiliar na produção de alimentos, para transporte de pessoas ou cargas e até mesmo para cuidados com os terrenos para agricultura.

Somando-se ao lado negativo da aproximação, entre o homem e o animal, além de utiliza-los como instrumentos de trabalho e transporte, foram crescendo o número de animais utilizados para experimentos científicos, sem nenhum tipo de cuidado quanto a isso.

Os primeiros teóricos que propuseram uma nova forma de seleção acerca do direito dos animais também faziam parte do movimento humanista moderno, dentre eles:

“Se trata de uma extrema pobreza de espírito equiparar seres vivos a máquinas utilitárias”
                                                                                 Voltaire

É preciso, penso eu, ter renunciado à luz natural, para ousar afirmar que os animais são somente máquinas. Há uma contradição manifesta em admitir que Deus deu aos animais todos os órgãos do sentimento e em sustentar que não lhes deu sentimento. Parece-me também que é preciso não ter jamais observado os animais para não distinguir neles as diferentes vozes da necessidade, da alegria, do temor, do amor, da cólera, e de todos os seus afetos; seria muito estranho que exprimissem tão bem o que não sentem.

(VOLTAIRE, 1993, p. 169)

Também Montaigne propunha tolerância no trato dos animais, afirmando que:

“Aos homens se deve justiça, mas não poderíamos nos esquecer das demais criaturas às quais deveríamos solicitude e benevolência”.

                                                           (LEVAI, 2004, p. 20)

Também Leonardo da Vinci, teorizou em prol dos animais, afirmando que:

“Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo dos animais e, então, um crime contra qualquer um deles será considerado um crime contra a Humanidade”

(apud SERRA-FREIRE in VALLE; TELLES, 2003, p. 350).

No Brasil do século XVI desembarcam os primeiros animais domésticos para serem utilizados na lavoura, pecuária, expedições dos bandeirantes e transportes em geral.

Era muito comum o uso de carro de boi no sertão, de mulas, jumentos burros e cavalos, além da criação de pequenos animais, tais como galinhas e porcos, os quais contribuíam para o sustento da comunidade brasileira em seu nascedouro.

Nesse contexto, a predominância da lógica mercantilista fazia com as Ordenações do Reino trouxessem dispositivos relacionados à proteção da flora e da fauna unicamente por questões econômicas, visando o maior lucro da coroa, e não por questões ambientais.

O primeiro dispositivo que realmente visava coibir os maus tratos aos animais sobreveio após a emancipação política e, curiosamente, na mesma época em que se editavam as leis da abolição da escravatura. São Paulo foi o município pioneiro, ao inserir em seu Código de Posturas, de 06 de outubro de 1886, o seguinte dispositivo:

É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa d’água, etc., maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicada aos ferradores. Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração.

Contudo, somente após quase três décadas foi iniciada a sistematização das normas de proteção aos animais. A primeira delas foi o Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924, que regulamentava as casas de diversões públicas, dispondo em seu artigo 5º que era vedado a concessão de licenças para:

“corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais”.

Uma década depois, o decreto n.º 24.645, de 10 de julho de 1934, do então chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, estabeleceu “medidas de proteção aos animais”, tanto na esfera civil, como penal. Segundo o Decreto, os animais seriam assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros da Sociedade Protetora de Animais (art. 1º, parágrafo 3º). O Decreto definiu, ainda, condutas de “maus tratos” (art. 3º), sendo a primeira “praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal”.

O decreto nº 24.645/34, ainda hoje, funciona como parâmetro para caracterização dos maus tratos praticados contra animais.

Dentre as condutas passíveis de enquadramento penal merecem destaque as de:

  • manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
  • obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores ás suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;
  • utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidade com ruas calçadas;
  • açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma um animal caído sob o veiculo ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se;
  • fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas contínuas sem lhe dar água e alimento;
  • conservar animais embarcados por mais de 12 horas, sem água e alimento, devendo as empresas de transportes providenciar, saibro as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 meses a partir da publicação desta lei;
  • realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado.

A origem da palavra ‘’fauna’’ varia conforme a doutrina. Alguns doutrinadores afirmam que a palavra se origina do latim faunus que quer dizer ‘’ente mitológico habitante de bosques e florestas’’. Outros, afirmam que sua origem é proveniente do latim fauna que significa ‘’divindade, mulher de Faunus, deus da fecundidade dos rebanhos e dos campos’’16.

Atualmente, o conceito de fauna é tirado da Zoologia, e tido como

“Fauna é o conjunto dos animais próprios ou de uma localidade, região, ambiente ou período geológico”.

A Lei de Proteção à Fauna, lei nº 5.197/67, que veio substituir o Código de Caça, lei nº 5.894/43, transformou a caça profissional em crime.

Também a pesca, antes disciplinada pelo Decreto nº 794/38, passou a ser disciplinada pelo conhecido Código de Pesca, Decreto nº 221/67 que, juntamente com as alterações formuladas pela Lei nº 7.679/88, impôs restrições à pesca predatória.

A lei nº 6.638/79, por sua vez, estabeleceu normas para a vivissecção de animais e a Lei nº 7.173/83, regula o funcionamento de jardins zoológicos. Enquanto a Lei nº 7.643/87 proibiu a pesca e molestamento de baleias, golfinhos e botos, apenando com reclusão de 2 a 5 anos quem descumprisse a determinação.

Há princípios que norteiam o tema bem-estar animal:

Todos os animais devem:

1) Ser livres de medo e estresse;
2) Ser livres de fome e sede;
3) Ser libres de desconforto;
4) Ser livre de dor e doenças; e
5) Ter liberdade para expressar seu comportamento natural

A proteção aos animais ganhou status constitucional em 1988, quando a chamada Constituição Cidadão estabeleceu, em seu art. 225, § 1º, inciso VII, a proteção da fauna, com a finalidade de evitar a extinção das espécies e reforçou a proibição de crueldade contra os animais, assim dispondo: “Incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Há quem veja uma grande evolução no novo tratamento dado pela constituição ao meio ambiente. Para Benjamin (2001, p. 150), por exemplo:

(…) em melhor sintonia com o pensamento contemporâneo e o estado do conhecimento científico, baseada na valorização não apenas dos fragmentos ou elementos da natureza, mas do todo e de suas relações recíprocas; um todo que deve ser “ecologicamente equilibrado”, visto, por um lado, como “essencial à sadia qualidade de vida”, e, por outro, como “bem de uso comum do povo”.

Numa palavra, o legislador não só autonomizou o meio ambiente, como ainda o descoisificou, atribuindo-lhe sentido relacional, de caráter ecossistêmico e feição intangível. Um avanço verdadeiramente extraordinário.

Com objetivo de regular o direito genericamente previsto pela Constituição Federal de 1988, a Lei nº 9.605/98, Lei dos Crimes Ambientais, passou a considerar crime a conduta de crueldade para com animais, fazendo do Brasil um dos países de legislação ambiental mais avançada do mundo.

É interessante notar que a Lei dos Crimes Ambientais não faz distinção entre os animais, criminalizando condutas que atentem contra a fauna em geral, seja silvestre, doméstica ou domesticada, incluindo no seu âmbito de incidência todos os animas que estejam em território nacional.

A generalidade adotada pela Lei nº 9.605/98 é compatível com o amplo conceito de fauna, entendida como

“o conjunto de espécies animais de um determinado país ou região” (MACHADO, 1991, p. 398), sem fazer distinção, portanto, entre aves, répteis, mamíferos etc., considerando animais “todos os seres vivos multicelulares, heterotróficos e dotados de movimento” (LEVAI, 2004, p. 33).

Como se depreende da sistemática adotada pela Lei dos Crimes Ambientais, a fauna em geral é tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro, independentemente de sua pressuposta “importância” para o ecossistema, não fazendo diferença entre os animais pertencentes às faunas silvestres, domésticas ou domesticadas. Entende-se por fauna silvestre os animais pertencentes às espécies nativa, migratórias, aquáticas ou terrestres, que tenham seu ciclo de vida ocorrendo nos limites do território brasileiro. Já a fauna doméstica diz respeito às espécies que passam a ter características com estreita dependência da espécie humana, como o cachorro e gato, enquanto a fauna domesticada se compõe de animais silvestres que perderam seu lugar na natureza e passaram a conviver pacificamente com o homem, dependendo dele para sua sobrevivência, a exemplo dos animais de circos e zoológicos (DIAS, 2000, p. 104).

Por muito tempo a defesa ao meio ambiente se resumia a alegações que apenas a fauna silvestre possuiria relevância ambiental, discriminando-se, por muito tempo, a defesa dos animais domésticos. Em última análise, a defesa da fauna silvestre buscava proteger o equilíbrio do meio ambiente e a própria sobrevivência humana, não gerando grandes questionamentos acerca de quem seria o sujeito de direito da norma ambiental, o próprio homem.

Com a vedação aos maus-tratos contra os animais, a questão torna-se mais complexa, ficando difícil a defesa de que a proteção se dá em favor de interesses humanos.

A aproximação no relacionamento homem e animal está resultando em mudanças diretas na vida de ambas as partes.

“Se os animais dependem dos humanos hoje, é devido à necessidade que os humanos têm de conviver com esses seres capazes de amar e sofrer e que trazem benefícios à vida de muitos, proporcionando grande vínculo afetivo”.

Mas, também existem consequências negativas com essa interação que cresce mais a cada dia, a dependência dos animais aos humanos aumenta de maneira rápida, e assim pode causar problemas como abandono e maus-tratos.

Algo que é muito comum de perceber nas ruas por aí é a presença de cães e gatos sem o conforto que teriam em um lar com água fresquinha, comida gostosa e até mesmo uma casinha aconchegante para ficar, sem contar com os bichinhos que, apesar de ter um lar, têm donos que não dão comida e água, e ainda agridem ou até matam, gerando sofrimento àqueles que seriam seus melhores amigos.

Outra consequência nada boa é a transmissão de zoonoses como leptospirose, brucelose, raiva e gastrenterites aos homens, que ocorre por conta de descuidos na higiene e limpeza, na vermifugação e na vacinação dos pets.

Em abril de 2018, foi acrescentado à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos, passando a vigorar o Art.79-B com a seguinte redação:

“Art. 79-B. O disposto no art. 82 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), não se aplica aos animais não humanos, que ficam sujeitos a direitos despersonificados.”

Passaram a constituir objetivos da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção, construindo uma sociedade mais consciente e solidária, reconhecendo que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento. Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.

De acordo com o texto acima, os animais não podem mais ser considerados “coisas”.

Embora faltem investimentos públicos na área de proteção dos animais, no entanto, a boa notícia é que vem crescendo, pelo menos desde o século XIX, um movimento que pretende reformar e redesignar o estatuto jurídico e moral dos animais.

Nesse sentido é que se constata o crescimento do movimento animalista no mundo todo, com repercussões diretas no consumo de produtos de origem animal e no uso de animais como instrumentos.

O ativismo animalista e a ampliação do debate sobre a ética aplicada à natureza e aos animais, comprometidos com a ampliação da comunidade moral e jurídica, repercute sobre a promoção de um maior número de ações judiciais sobre a questão animal, bem como sobre a introdução de novos cursos na área.

Espera-se que o debate sobre a questão animal ganhe cada vez mais a agenda pública e mudanças sensíveis possam ocorrer para beneficiar os animais.

Algumas cidades tem implantado o CÓDIGO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS, um exemplo é a cidade de Limeira, que sancionou o Código Municipal dos Direitos dos Animais.

Entre os destaques do código é que agora todos os animais domésticos terão de ser microchipados e vacinados.

O documento estipula quem deve fiscalizar as condições dos animais na cidade e como isso deve ser feito, além dos valores das multas em casos de maus-tratos, por exemplo.

Segundo o Executivo:

“ ter uma legislação específica voltada às políticas públicas animais resolve o entrave da fiscalização atual, na cidade”.

Além da cobrança por leis específicas ao tema e de alcance nacional, outro fator debatido tem sido a formação dos estudantes do curso de Direito para essa área. Atualmente, as graduações não possuem disciplinas voltadas para esse campo.

Em 2019, pela primeira vez a Universidade de Brasília (UnB) oferta uma disciplina de direitos animais. A formação é oferecida pelo Grupo de Estudos sobre Direitos Animais e Interseccionalidades da instituição e recebe alunos regulares da universidade e da comunidade em geral.

É crescente as Legislações que defendem os direitos dos animais, assim como, disciplinas específicas que poderão formar profissionais especializados nas áreas dos direitos dos animais, mas não podemos descansar um segundo, o trabalho dos voluntários e grupos de apoio e proteção aos animais são fundamentais para a evolução da proteção aos bichinhos.

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Sobre o autor

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Carlos Henrique Luques Ruiz

Dr. Carlos Henrique Luques Ruiz - Advogado; Pós Graduado em Direito Tributário; Perito Contábil; Pós Graduado em Gestão Pública com ênfase em Cidades Inteligentes. Membro do Conselho Regional de Prerrogativas da 18ª Região da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo

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