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Mobilidade e Acessibilidade Urbana

Em apenas cinco décadas no século passado, a população brasileira passou de majoritariamente rural para majoritariamente urbana, ou seja, uma das mais aceleradas urbanizações do mundo.

Esta mudança aconteceu sem a implementação de políticas indispensáveis para a inserção urbana digna da massa que abandonou e continua a abandonar o meio rural brasileiro, cuja estrutura agrária contribuiu para essa rápida evasão de população.

Na década de 70, a marca tecnocrática e autoritária desse planejamento se fez de fato presente nos organismos criados em 1964 para dirigir a política urbana do regime militar. O Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH) foram responsáveis pelo maior movimento de construção que o Brasil conheceu nas cidades.

Entre 1964 e 1985 foram construídas mais de quatro milhões de moradias e implantados os principais sistemas de saneamento do país. Esse grande movimento de construção foi alimentado pelas contribuições compulsórias dos assalariados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e pela poupança privada relativa à Sociedade Brasileira de Poupança e Empréstimo.

No saneamento, o modelo centralizador do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa) orientava a concessão dos serviços municipais de saneamento para grandes companhias estaduais e o governo federal não hesitou em até mesmo condicionar empréstimos habitacionais a esse propósito.

Dentre as críticas mais constantes à ação do BNH, grande parte delas era dirigida à produção de conjuntos habitacionais populares fora do tecido urbano existente e que submetia seus moradores ao sacrifício de viverem “fora da cidade”, segregados e isolados, contrariando o adequado desenvolvimento urbano e o mercado de terras.

Essa prática tem persistido nas administrações públicas até nossos dias e começa a merecer uma ação estratégica voltada para a política urbana e fundiária.

Com a Caixa Econômica Federal assumindo o espólio do BNH, tem início uma verdadeira via crucis institucional da política urbana, reveladora da pouca importância que ela tem na agenda federal a partir da crise econômica.

As cidades são lugares de encontros e desencontros, prosperidade e penúria, qualidade de vida e do caos. Cidades são frutos das relações humanas refletidas na organização de espaços coletivos, que devem possuir uma infraestrutura adequada para que seus habitantes e turistas vivam e convivam harmoniosamente por meio da conciliação de interesses públicos e privados.

 Dessa união entre pessoas, ambientes e interesses, busca-se gerar um impulso que fortalece a economia e o funcionamento social das cidades, já que sabemos que uma parte cada vez maior da população mundial vive em espaços urbanos e a evolução humana passa, obrigatoriamente, pelos conceitos de mobilidade e acessibilidade urbanas e seus vários desdobramentos.

O crescimento desordenado das cidades, somado a políticas públicas mal formuladas, ou mesmo a governantes omissos ou mal-intencionados geram verdadeiras catástrofes sociais e econômicas que, com passar do tempo, se tornam irremediáveis, com cicatrizes profundas e permanentes, que interferem diretamente no bem-estar, mobilidade/ acesso democrático aos ambientes urbanos e também, na qualidade de vida de um povo.

Esse fenômeno foi verificado com maior intensidade desde o advento do Capitalismo, que criou verdadeiras metrópoles e megalópoles que enfrentam, desde seu aparecimento, grandes desafios pela concentração humana observada em diversas partes do mundo.

Um exemplo clássico, de concentração humana em cidades que cresceram desordenadamente, é o caso do Brasil. Importante país da América do Sul, com uma extensão territorial de 8.516.000 Km2, o Brasil é um país de proporções continentais, considerado ainda em desenvolvimento, que tem um povo hospitaleiro, mas que, desde seu descobrimento, acumula histórias com experiências negativas de urbanização. A falta de planejamento urbano ou deturpação do plano frente a interesses particulares, e de uma política econômica menos concentradora, contribuiu para o aparecimento de favelas, violência urbana, poluição, enchentes, que influenciam demasiadamente no desenvolvimento econômico e social desse país.

Entretanto, a realidade se apresenta como um grande desafio e muito diferente do que foi proposto na legislação. A história demonstra que, com o passar do tempo, as cidades foram ficando cada vez mais complexas e a população mundial foi crescendo a números nunca vistos. Esse contexto apresenta um futuro nada animador para os gestores públicos e a própria população, que deverão agir conjuntamente para garantirem um amanhã digno e próspero para nós e para as próximas gerações.

No Brasil, antigamente, a dificuldade era sensibilizar os legisladores para criarem leis que contemplassem a política urbana. Hoje, o problema passa a fazer cumprir essa legislação, num país onde nunca se priorizou o planejamento nem a gestão democrática urbana. Muita coisa já foi feita, mas o caminho ainda é longo, como veremos. Também falaremos sobre o caso de sucesso da cidade de Gramado RS, que foi fruto da união de interesses para a realização efetiva de um Plano Diretor.

A urbanização, no Brasil, sempre teve um caráter de improviso, pois nada foi planejado ou quando há planejamento, há desvios em excesso devido o nível de corrupção vigente. As raízes do desenvolvimento brasileiro estão ligadas aos seus ciclos econômicos, como o da extração de Pau-Brasil e do ouro e da produção da cana de açúcar e do café, que no século XIX, foi muito importante para o processo de urbanização. Ao longo do tempo, sem políticas públicas que respondessem às novas demandas, as cidades foram crescendo desordenadamente e, com elas, as marginalizações que até hoje afligem nossa população.

Com o advento do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001), fundamentalmente, definiu-se um conjunto de diretrizes e instrumentos para a implementação da política urbana no Brasil, como também criaram-se normas para delimitar e nortear a ação do poder público no uso da propriedade urbana para interesses públicos em benefício do cidadão comum

Outro instrumento utilizado para garantir a função social da cidade e cumprir as determinações para sua ordenação, e que diz respeito à política de desenvolvimento e expansão urbana, é o Plano Diretor.

O Plano Diretor é o caminho que, ao ser percorrido por todos os municípios, define como os instrumentos e diretrizes do Estatuto da Cidade serão implementados. Representa um planejamento de ações que serão pactuadas democraticamente entre os setores da sociedade civil e da iniciativa privada, a fim de melhorar as condições de vida de uma determinada população, com suas diversas demandas, para também intensificar o desenvolvimento municipal. Para que essa pactuação gere bons resultados, todo Plano Diretor deve promover o diálogo entre a iniciativa privada e as instituições públicas, contemplar estratégias e objetivos claros, que preservem os aspectos ambientais, sociais e econômicos de cada município, buscando a sustentabilidade dos negócios e a criação de políticas públicas que fortaleçam a economia local.

O Prêmio Prefeito Empreendedor, do SEBRAE Nacional, é um programa de reconhecimento aos prefeitos e administradores regionais que implantaram projetos com resultados comprovados em seus municípios, por meio dos pequenos negócios. Certamente, para obterem êxito em suas estratégias, os gestores públicos recorreram à população, abrindo um canal direto para o diálogo e construção eficaz de seus Planos Diretores. Na IX edição, o município de Gramado, no Estado do Rio Grande do Sul, ficou com o prêmio nacional por seu projeto voltado à pequena empresa e o melhor destino turístico do Brasil.

O Plano Diretor nunca deve ser confundido com um Plano de Governo; deve ser muito mais abrangente, pois não se limita ao que um governante pretende fazer em seu mandato. Deve refletir os anseios e necessidades de toda uma população, que busca uma melhor qualidade de vida, dignidade e esperança de dias melhores.

A expansão urbana, no Brasil, se tornou algo muito preocupante. As cidades brasileiras cresceram bastante, em curto espaço de tempo e de forma desordenada, passando por um processo de verticalização nunca antes visto.

Alguns territórios urbanos beiraram o caos, devido ao aumento desenfreado de sua frota veicular, aos altos níveis de poluição e aos ínfimos investimentos nos transportes coletivos e nas vias públicas. Essas consequências representam o fruto de uma longa história escrita por políticas públicas ineficazes e populistas, bem como a ausência crônica de planejamento urbano ou deturpação dos mesmos, o que afeta diretamente a mobilidade e a acessibilidade urbanas e, por consequência, todos os cidadãos brasileiros que residem nessas áreas.

Nos dias de hoje, as cidades brasileiras se encontram em uma verdadeira crise, resultado de um grande crescimento populacional, sem a contrapartida de investimentos que deveriam ser realizados nas áreas dos transportes coletivos e na manutenção de áreas públicas para acomodarem essas novas demandas.

A mobilidade urbana diz respeito a capacidade de pessoas e de suas possíveis cargas se deslocarem para conseguirem efetuar atividades.

Mobilidade é um atributo ligado diretamente às pessoas, mede os deslocamentos de um indivíduo ou de um grupo, em um determinado local. Tem a ver também com a quantidade e a qualidade dessas viagens em relação às características do meio urbano que ocorrem.

A acessibilidade urbana tem a ver com a facilidade de se chegar a um determinado destino, ficando mais fácil ou difícil conforme as condições dos locais que serão percorridos, desde a saída até a chegada; por isso, acessibilidade é um conceito voltado aos lugares.

A mobilidade e a acessibilidade urbanas são assuntos vastos que merecem toda atenção dos gestores públicos e dos cidadãos, mas também de profissionais que contribuem diariamente para a urbanização das cidades brasileiras, como os engenheiros e arquitetos.

Como demonstrado, acessibilidade e mobilidade são conceitos que extrapolam as áreas como a da arquitetura e do urbanismo. As cidades devem ser pensadas como espaços integralizadores, capazes de gerar qualidade de vida às pessoas, de forma agradável e harmônica, e assim amenizar possíveis impactos negativos que as cidades possam vir a sofrer com uma urbanização desenfreada, tais como: a poluição, os congestionamentos, os acidentes de trânsito e mortes, os ruídos e muitos outros, que atrapalham diretamente o desenvolvimento de toda uma população.

Com as cidades brasileiras em crescimento, as áreas centrais ficaram mais povoadas, forçando grande parte dos habitantes a se distanciar de seus locais de trabalho, educação e lazer, com migração excessiva para as periferias. Isso exigiu do poder público mais investimentos em pavimentações e em áreas públicas como objetivo de conectar estes novos bairros ao centro. Entretanto, isso ainda não acontece em um tempo ideal.

No Brasil, o crescimento descontrolado das cidades nunca foi acompanhado por investimentos e políticas públicas e isso acabou gerando um mundo à parte, com moradores tendo de se deslocar à grandes distâncias, gastando assim mais tempo e comprometendo sobremaneira, a sua qualidade de vida e o desenvolvimento socioeconômico destas localidades.

Para superar essa questão, existem algumas opções de transportes coletivos e individuais. Entretanto, congestionamentos, acidentes de trânsito, má qualidade dos transportes coletivos, entre outros, podem ser fatores que dificultarão o deslocamento de forma geral.

Outros fatores que dificultam são: calçadas esburacadas; lixeiras mal colocadas; carros estacionados indevidamente; poluição do ar; barulhos acima do aceitável; entre outros. Os gestores públicos precisam olhar não só para o transporte, mas sim para um problema maior que envolva a mobilidade urbana e seus cidadãos.

A Lei n. 12.587/2012, que tramitou por dezessete anos no Congresso Nacional, é uma evolução em prol da mobilidade urbana. Tamanha é a importância desse assunto que, no ano de 2003, foi instituído um ministério exclusivo para tratar da Política Nacional de Mobilidade Urbana: o Ministério das Cidades. Subordinado a ele, encontra-se ainda a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade (SeMob), instituída com a finalidade de formular e implementar a política de mobilidade urbana. Em suma, essa lei busca instituir diretrizes e dotar os municípios de instrumentos para melhorar as condições de mobilidade nas cidades brasileiras.

As diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana deixam claro que é mandatório se pensar em um planejamento integrado que contemple áreas como a da habitação, do saneamento básico e do uso do solo urbano, bem como resulte em um desenvolvimento mais harmônico e sustentável das cidades brasileiras.

Políticas de mobilidade urbana são cruciais para o futuro próspero das cidades, pois estabelecem regras, principalmente, para o transporte público que, em sua essência, configura uma resposta às necessidades de deslocamentos diários da população.

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Sobre o autor

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Carlos Henrique Luques Ruiz

Dr. Carlos Henrique Luques Ruiz - Advogado; Pós Graduado em Direito Tributário; Perito Contábil; Pós Graduado em Gestão Pública com ênfase em Cidades Inteligentes. Membro do Conselho Regional de Prerrogativas da 18ª Região da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo

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